No Programa do XXIV Governo consta que ”é importante adotar medidas de convergência entre os direitos à proteção social dos trabalhadores independentes e economicamente dependentes com o regime dos trabalhadores por conta de outrem, no que diz respeito à proteção no desemprego, doença, maternidade, paternidade e reforma.”
Ora, estas são algumas das bandeiras da Associação Nacional dos Profissionais Liberais ( ANPL). O facto de constarem no programa do Governo quer dizer que, três anos após a fundação da ANPL, 1 de maio de 2021, se reconhece que a agenda dos profissionais liberais, trabalhadores independentes é pertinente e faz sentido para mais de 1 milhão que existem no nosso país.
A intenção do Governo de aproximar a proteção social dos trabalhadores independentes (TIS) com a dos trabalhadores por conta de outrem vai assim no sentido daquilo que a ANPL sempre defendeu.
Os TIS efetivamente têm um défice enorme de proteção na paternidade, no
desemprego, no risco de acidentes de trabalho e de doença. Descontam 21,4%
para efeitos de segurança social, enquanto os trabalhadores por conta de outrem
descontam individualmente 11%.
Os trabalhadores independentes não querem ser tratados de forma melhor. Apenas de forma equitativa, pois o trabalho independente é ignorado e penalizado em Portugal. Um exemplo paradigmático: a grande dificuldade de os trabalhadores independentes acederem a empréstimos bancários, dadas as presunções de rendimento, grande parte das vezes desfasadas da realidade destes profissionais. Adquirir casa é para estes profissionais um pesadelo.
Esperamos que esta intenção programática se refira a todos os trabalhadores
independentes e não apenas aqueles “economicamente dependentes”.
A Lei nº 13/2023, a da chamada Agenda do Trabalho Digno, determina de forma
arbitrária que os trabalhadores independentes que emitam recibos em mais de 50%
da sua atividade por ano civil, para uma mesma entidade contratante dos seus
serviços, sejam considerados “economicamente dependentes”.
Assim, ser-lhes-á aplicável o disposto em IRCT, Instrumento de Regulamentação Coletiva de Trabalho. O que significa isso na prática? Que um profissional liberal está impedido de contratar os seus serviços com quem o entender; é um desincentivo às
organizações que contratam os serviços de profissionais liberais de deixarem de o
fazer atingidos os tais 50%.
Na prática, afetando relações de prestação de serviços, por via de querer fazer de todos os profissionais liberais, assalariados à força. Esta disposição, que é compreensível relativamente a alguns trabalhadores por conta própria, não tem razão de aplicação a profissionais liberais, com autonomia, independência e qualificados. Aqueles que querem mesmo ser profissionais liberais e não trabalhadores por conta de outrem.
Aproximar a proteção social dos TIS com a dos TCOs é fundamental e em alguns
casos significa abranger pela mesma legislação (como o exemplo dos trabalhadores-estudantes) e, por outras vezes, será reconhecer a especificidade (por exemplo na parentalidade).
Em reuniões que a ANPL irá solicitar ao Ministério das Finanças e Ministério do Trabalho, Solidariedade Segurança e Social haverá com certeza oportunidade de obter esclarecimentos e trabalhar com o Governo em colaboração no que respeita às problemáticas do trabalho independente em prol quer do desenvolvimento dos profissionais liberais e economia subjacente, quer na proteção dos direitos dos mesmos.
As grandes questões relativas ao trabalho independente qualificado, o dos
designados profissionais liberais dizem respeito às duas prioridades de sempre:
fiscalidade aplicável e proteção social.
Relativamente à fiscalidade aplicável, a ANPL vê positivo que a retenção na fonte
do IRS, desfasada no tempo e frequentemente na percentagem (25%) da realidade
dos profissionais liberais. É necessário aproximar essa retenção de 25% dos rendimentos reais.
A ANPL defende a possibilidade de introduzir a possibilidade de aplicação do regime de transparência fiscal para profissionais liberais.
Relativamente à proteção social, defendemos a criação de um balcão único para
trabalhadores independentes com mecanismos de apoio e simplificação para as
diversas atividades.
Estamos muito desprotegidos e penalizados na proteção social adequada no
desemprego e subemprego; precisamos de condições atrativas para a subscrição
de seguros de responsabilidade civil e profissionais, de assistência na doença e
acidentes de trabalho.
No apoio à maternidade e parentalidade, em que embora um percurso tenha sido
encetado recentemente, em particular pela aprovação de propostas elaboradas pela
deputada Carla Castro que foram acolhidas, há ainda um caminho substancial a
percorrer. Os profissionais liberais não podem de todo ser penalizados a este propósito.
São ainda temas na agenda da ANPL a especificidade na reforma e outras pensões, o equilíbrio entre a vida profissional e familiar destes profissionais, o acesso a formação contínua e pós-graduada, as questões da defesa da propriedade intelectual, a sustentabilidade e proteção do ambiente no âmbito profissional, a aquisição e consolidação de competências digitais, a integração e reconhecimento das qualificações de migrantes e ainda o reconhecimento de novas profissões e atividades bem como de emergentes formas de trabalho.
O PS e Governo anterior reconheceram a necessidade de introduzir um novo
modelo de retenção na fonte de IRS, que pudesse substitui a atual taxa fixa de 25%
por um conjunto de taxas progressivas.
Achamos a tendência positiva mas aquém do necessário. É importante que o Fisco
permita autonomia para escolher a taxa de imposto a aplicar mensalmente aos
seus rendimentos, para que o profissional possa adaptar à sua realidade e expectativas, protegendo em simultâneo a privacidade do seu nível de rendimentos.
No orçamento de estado para 2024 este tema não ficou resolvido. O governo anterior explicou que tal iria acontecer num diploma autónomo. E que previamente alterações informáticas ao sistema teriam que ser introduzidas. Ou seja, na prática, nada aconteceu. Queremos abordar desde já esta questão com o Governo atual.
A implementação desta medida possibilitaria que aqueles que recebem menores
rendimentos tenham uma remuneração líquida superior.
Julgamos ser necessário no futuro trabalhar num regime fiscal e de proteção social
integrado, com princípio, meio e fim, um Estatuto do Profissional Liberal e
Trabalhador Independente aplicável a esta forma de trabalho.
João Ascenso, advogado, secretário da Mesa da Assembleia Geral da ANPL refere ainda:
A ANPL é favorável a algumas aproximações do regime de trabalhadores independentes ao do regime dos trabalhadores por conta de outrém em algumas matérias, como no caso dos apoios à proteção no desemprego, doença, maternidade e paternidade.
Por exemplo, embora esteja prevista na lei, o acesso à proteção no desemprego e especialmente na doença é muito mais limitado para os trabalhadores independentes do que para os que trabalham por conta de outrém.
No entanto, a ANPL considera importante que os trabalhadores independentes tenham também um regime diferenciado e adaptado às suas necessidades específicas. Problemas como custos implícitos para cumprimento de obrigações legais e burocráticas, erro profissional, risco de atividade, variações de rendimentos, entre outros, são temas em que os trabalhadores independentes em nada se comparam com os trabalhadores por conta de outrém.
Além disso, é necessário criar um regime de incentivos e confiança que favoreça a participação dos trabalhadores independentes no regime de Segurança Social, sabendo nós que muitos destes trabalhadores se excluem das suas obrigações contributivas com prejuízo para o Estado e para os próprios trabalhadores independentes, como se pôde verificar no período pandémico.
Estas especificidades permitem, a nosso ver, criar regimes diferenciados de proteção e segurança social adaptados aos trabalhadores independentes. Propostas que já tivemos oportunidade de apresentar aos partidos e ao público, como a eleição do regime contributivo mais adequado ao nível de proteção social desejado por cada profissional liberal, ou a existência de regimes de contribuição para reforma diferentes, como a possibilidade de realizar contribuições isentas de IRS (dentro de determinados limites) para sistemas de capitalização para a reforma, à semelhança do que acontece em vários países.
Julgamos que, pelas suas especificidades, os profissionais liberais estão particularmente aptos a experimentar projetos piloto e regimes diferentes daqueles que são atualmente propostos e que poderão contribuir para a sustentabilidade da Segurança Social.
Consulte o artigo Profissionais liberais querem que novo Governo mude IRS dos recibos verdes publicado com declarações da ANPL no jornal ECO a 12 de abril.

